Carta

História de Lurdes

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Lurdes é uma mulher negra de 22 anos. Vive na rua desde os seus três anos de idade. Sua mãe, Francisca, fugiu da violência que ambas sofriam em casa do então companheiro, e pai de Lurdes. Ainda que nas condições difíceis da rua, sua infância foi protegida o quanto possível: frequentou minimamente a escola, pernoitavam juntas em abrigos e dificilmente faltava o que comer. Tudo mudou, porém, aos seus onze anos, quando sua mãe morreu atropelada.

Lurdes, então, foi levada para um abrigo, onde contataram sua família extensa: sua tia Maria, irmã de seu pai, única parente próxima, com quem foi morar. O relacionamento das duas era tenso. Tia Maria guardava muita raiva da mãe de Lurdes, e acabava por descontar na jovem. As brigas só aumentavam e tornaram-se insustentáveis quando Lurdes entrou na adolescência. Para ela, a única saída possível foi voltar às ruas, mesmo que soubesse que é um lugar difícil para se viver, ainda mais quando se é mulher.

Aos 18 anos, Lurdes engravidou. Sua gravidez na rua foi turbulenta: ela procurou ajuda em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas a falta de documentos e de endereço dificultava o atendimento, apesar dos esforços de algumas enfermeiras que se solidarizavam com sua situação. Tal solidariedade, entretanto, desaparecia quando Lurdes admitia o uso de drogas: alguns dos profissionais a criticavam, deixando-a intimidada e pouco aberta para revelar esse aspecto de sua vida.

Apesar de tudo, Lurdes conseguiu realizar o pré natal com o Consultório Na Rua. Recebeu acompanhamento, fez exames e o pré-natal direitinho. Quando entrou em trabalho de parto, foi levada por eles à maternidade. Entretanto, após ter sua filha, o serviço social do hospital acionou a Vara da Infância e Juventude. A juíza que pegou o caso decidiu que ela seria incapaz de cuidar da criança por conta de sua situação. Depois de mais de um ano lutando para reaver sua bebê, Lurdes sentiu uma tristeza indescritível ao perceber que não tinha mais a quem recorrer. Sozinha, continuou nas ruas da cidade e intensificou o uso do crack para aliviar a dor que sentia.