Maria é uma mulher negra de 23 anos. Aos 7 anos passou a viver na rua após fugir de casa com a mãe para escapar das agressões sofridas por ambas por parte do então marido e pai de Maria. As duas sobreviviam do dinheiro que conseguiam através de trabalhos nas ruas, como a venda de balas, e mesmo pedindo dinheiro.
Quando Maria tinha 12 anos, sua mãe faleceu. Maria acabou sendo institucionalizada, vivendo até o fim dos 17 anos em um Serviço de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (SAICA). O período de acolhimento não foi fácil para Maria. Portadora de deficiência intelectual leve, tal elemento não foi identificado pelos técnicos de lá, que achavam que ela não tinha “vontade” de estudar. Maria cresceu no SAICA, assim, sem a possibilidade de uma nova família por ser considerada muito grande para ser adotada. Muitas vezes ela se tornava agressiva diante de tantas coisas que não compreendia ao seu redor. Ao sair do serviço, ela não havia sequer ingressado no ensino médio.
Os serviços de acolhimento para jovens adultos na condição de Maria são escassos. Ingressou em uma República, mas além de não conseguir se adaptar também perdeu o trabalho informal que havia conseguido. Sem renda, não era possível permanecer no serviço. A verdade é que Maria precisava de ajuda para compreender muitas questões e não tinha condições de conseguir trabalhos formais que trouxessem independência sem apoio especializado. Maria acaba saindo do serviço e voltando à situação de rua, onde ela entendia melhor as coisas e lembrava dos tempos em que viveu, de certa forma feliz, com sua mãe.
Nas ruas conheceu André, um homem venezuelano, e passou a viver com ele em sua casa. A convivência tinha muitas brigas e André não deixava Maria esquecer que, se não fosse por ele, ela estaria nas ruas. Agressões verbais eram frequentes e Maria começou a usar algumas drogas, como forma de manter-se mais calma e não reagir quando André se colocava agressivo, especialmente quando bebia.
Com 20 anos Maria engravida de André e dá à luz a uma menina. A criança era desejada, mas aquele momento não foi como o esperado. Maria não possuía rede de apoio e não sabia como buscar ajuda. As visitas para o pré e pós-natal nunca eram realizadas de uma maneira tranquila para Maria, que não compreendia bem as instruções que eram passadas, e não confiava nos profissionais que a atendiam, que eram sempre diferentes a cada consulta. Os vocabulários técnicos eram todos estranhos para Maria. Depressão pós-parto, disseram. E indicação para tratamento psicológico. Mas não havia vagas de atendimento pelo SUS em sua região e seria preciso esperar.
André, que já a agredia psicologicamente, passou a humilhar e agredir fisicamente Maria, e falava a todo tempo que ela não cuidava bem da criança. Um dia, após Maria não conseguir levantar para alimentar a criança, que chorava muito, André a expulsa de casa de modo tão truculento que Maria não consegue nem ao menos pegar seus pertences e documentos. De volta às ruas, sem sua filha, e com muito medo de André, Maria passa a viver nas ruas do centro da cidade sem saber formas de ter sua filha de volta.