Você volta para o abrigo um pouco decepcionada. A única coisa que pode fazer agora é esperar. Você está com seus documentos e suas coisas e vai dormir abraçada todo dia nos seus documentos e no seu papel da Defensoria. Rever sua filha depende disso. Moradia, saúde, as agressões que viveu… Nada disso eles poderiam resolver. Que coisa louca. Quem poderia te ajudar então?
Você segue no centro de acolhida e depois de um tempo consegue uma vaga fixa. Você ainda tem medo daquele funcionário. Ele te olha estranho e você não se sente segura por lá. Mas é isso que pode fazer. A vaga fixa tem uma duração de seis meses, depois parece que eles te desligam. Nesse meio tempo você precisa se tratar, conseguir emprego, conseguir casa, ou ficar pulando de abrigo em abrigo. A situação não é boa, mas você entende que é o que dá pra ser por agora. Você não terá sua filha de volta, mas quem sabe poderá visitá-la. É esperar que você precisa.
Em alguns meses você volta para a defensoria e falam que vai ter uma audiência de conciliação. Nesse dia, você quase não consegue chegar. Foi pro lugar errado e depois descobriu que não podia entrar de chinelo no fórum. Ficou combinado que você poderia fazer visitas supervisionadas no Conselho Tutelar. Na sua ausência, André tinha feito vários BOs afirmando que você maltratava a Sol, que era louca. A pessoa que te atendeu falou que era difícil provar outra coisa e era melhor aceitar isso, era o que tinha. As visitas seriam quinzenais e supervisionadas. Os dias com sua filha são dias felizes, mas a depressão de deixá-la depois te dá muita vontade de beber.
Você está forte. Depois de 6 meses na linha, talvez consiga começar a ajudar o pessoal que faz atendimento a outras pessoas em situação de rua. O salário é baixo, mas você não se imagina conseguindo um trabalho com outra coisa. No final das contas, você saiu da rua, mas não parece que saiu da rua. Não há muitos caminhos abertos, mas você segue aguardando uma vaga em moradia, o tratamento psicológico que te encaminharam, e já quase não se incomoda mais com a gritaria no centro de acolhida.
Você já falou na Defensoria várias vezes que essa coisa de 6 meses no centro de acolhida é estranha demais, e que essa fila de moradia ninguém nunca viu. Eles falam que não podem fazer nada, Daqui a pouco vão te desligar e você vai ter que pular para outro.
Mas é melhor isso que ficar na rua. E esse é o único jeito de ainda conseguir ver Sol.