Carta

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Você voltou para a Defensoria. O segurança te encara bruscamente como já te conhecesse e soubesse que você seria um problema. Vai dar de louca mesmo, fazer o quê. Se ficar sendo boazinha o povo pisa mesmo, você sabe. Você chega lá no atendimento e em tudo que precisa: documentos, receita do CAPS AD que está em tratamento.

Você traz também um papel da Mônica, que fala que você está acolhida. Mas você vai ter que explicar o que aconteceu, aquela injustiça toda, e ver se há algo que eles podem fazer.

Quem te atende é uma moça loira bem alta. Ela te pergunta o que você precisa da DPE. Você fala o que quer: ter sua filha, ter sua casa de volta. Simples assim. Pega toda aquela papelada que você trouxe e coloca na mesa dela. Ela começa a mexer em cada um deles com uma cara de nojo, é verdade. Ela abre cada um deles – afinal, você tinha dobrado eles bem pequenininhos para caber no seu bolso e você não perder de jeito nenhum – e alguns estão um pouco úmidos. Mas tudo bem. Ela pede para tirar cópias de tudo, e te explica o que pode ser feito.

A Defensoria iria abrir um procedimento para conseguir visitar sua filha, conseguir a guarda seria difícil, afinal, você está em situação de rua. Mas e a casa? Bom, você não tem papel nenhum e também não sabe dizer quanto tempo ficou com André. A casa é alugada. Poderiam pedir uma pensão para ele. Ele não tem carteira assinada. Como provariam o quanto ele recebe e o quanto ele poderia ajudar?

Você explica também tudo que aconteceu no centro de acolhida. A violência, a mentira, que aquele funcionário tinha inventado tudo aquilo. Era tanta coisa para falar que ela nem sabia como fazer.

Bom, a verdade é que você veio até aqui e as esperanças para rever sua filha Sol estavam desaparecendo no horizonte. Você não lembra de tudo. Escuta muitas frases distantes, vai ficando confusa, respondendo aquilo que consegue. A ação para a guarda demora – você precisa de comprovante de residência – não tem né, nem tá mais no abrigo – precisaria ser encaminhada para um programa de moradia do município – quem faz isso é a secretaria, precisa cadastro – não, não é aqui que faz – precisa arranjar emprego também – mas quem vai empregar alguém na rua, mãe de criança pequena? – não sei, precisa ver, não é aqui dona – ele te agredia? – Mas agredia muito? Mas você nunca fez BO? – mas tinha alguma testemunha? Não né… Aí fica difícil… De repente não agredia tanto assim né. E o abrigo? Isso não tem o que fazer. Eles podem te tirar se quiser.

Mas você não podia nem se defender? Como chegaria em um novo abrigo agora? Sobre isso, era só na central de vagas, no CREAS, a moça parece que não sabia muito bem onde você precisava ir, mas uma coisa ela tinha certeza: a defensoria não tinha nada o que fazer sobre sua expulsão do abrigo.

Você começa chorar. Você se dá conta que era melhor ter baixado a cabeça mais um pouco, ter tentado mais com André. Sua vida acabou no dia que ele te agrediu e expulsou de casa. Deve ter falado pra sua filha que você morreu. Sabe que você não tem ninguém no mundo para olhar por você. A moça que está te atendendo chama outro de gravata, que chama outra pessoa que te leva para uma outra sala para você se acalmar. Ele fala que você tem muitas demandas não jurídicas, mas que a jurídica, das visitas para a sua filha, eles iriam começar a tentar algo. Não te davam certeza nenhuma. Mas e todas as outras coisas? Bom, essas não poderiam ser resolvidas aqui e cada uma delas precisava de um encaminhamento próprio, ir a um lugar próprio da prefeitura.

Você sai de lá com um papel na mão, falando para você voltar daqui dois meses. Afinal, você não tem celular, não tem residência fixa, e esse era mais ou menos o tempo que demorava para começar a fazer a ação e de repente ter alguma ideia de data de algo sobre a audiência para tentar rever sua filha. Você sai triste e desiludida. Eles iam te ajudar, mas aquilo tudo parecia muito pouco, e muito distante.

Uma frase do atendimento ficou na sua cabeça “de repente ele não te agredia tanto… já que você nunca fez BO”.

Talvez fosse isso mesmo.

Você já tinha ouvido de algumas colegas de quarto que afinal, o que você tinha passado não era tão grave assim, que devia correr atrás dele. E essa ideia volta à sua cabeça…

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