Carta

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Chegando no Centro pop  você entra com as suas coisas. Você não tem uma vaga de pernoite fixa, então precisa ficar na fila, arranjar uma vaga. Pulga, muquirana, tudo tem nesse lugar. É meio estranho ser tratada como bicho desse jeito. Você consegue vaga no mesmo centro de acolhida que havia ficado.

Na entrada você cruza com aquele funcionário que te olha com um sorriso estranho. Você janta, toma banho, guarda suas coisas. Quando está quase para deitar, dois funcionários entram no quarto feminino e falam que houve uma denúncia de entrada de drogas e bebida no centro de acolhida. Começam a mexer de leve nas coisas das outras mulheres e de repente vêm em sua direção.

Mas você não tinha nada disso, estava tranquila.

Um deles vem por trás de onde você estava deitada e diz “mas o que é isso aqui hein?”. Ele tira uma garrafa de cachaça e um pacote que parecia ser maconha embaixo de onde você tinha colocado suas coisas para deitar.

Você começa a gritar, aquilo não é seu! Que injustiça. Você o empurra para longe e começa a gritar, falar que aquilo era uma covardia, você tinha acabado de chegar do banho, não era seu, você nem estava bebendo por esses dias. No que você o empurra ele segura o seu braço, você coloca a unha no braço dele. Ninguém poderia te segurar assim, não depois de tudo que passou. A confusão se instaura, de repente então todos os agentes do espaço no seu quarto.

Você está expulsa. Se ficar aqui mais um minuto vamos chamar a polícia.

Você não acredita no que está acontecendo. Você vai ser expulsa? No meio da noite? Dormir na rua? Mas você não fez nada! O único agente que não estava ali pra ver o que estava acontecendo era justo aquele que você tinha denunciado. Safado. Devia ter montado toda a cena. Você, incriminada por algo que não fez, é expulsa do centro e acolhida no meio da noite. Você sai vagando pelas ruas e resolve dormir no primeiro canto mais protegido que vê. A vontade de beber é grande. Você tem medo de tomar os remédios que te deram no CAPS e apagar ali. Sabe lá o que poderiam fazer contigo. Fora isso, não sabia se poderia acabar perdendo a hora.

No final, você acaba dormindo.

Na manhã seguinte a gerente do serviço vem conversar e te pergunta o que tinha acontecido naquele momento. Você fica em dúvida. Se falar que havia visto aquele funcionário mexendo nas coisas de outra acolhida, poderá ficar em uma situação complicada. Por outro lado, o funcionário já estava te olhando com cara de quem parecia querer se vingar a qualquer momento, desde o ocorrido na noite anterior, e você teme por sua segurança.

Logo que o sol nasce você se dá conta que está na sarjeta novamente. Tudo passa como um filme na sua cabeça. Mais uma violência. Uma arbitrariedade. Mesmo com seus documentos, tratamento iniciado, talvez você não tenha forças para seguir.

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